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logo O O "Morro dos Ventos Uivantes" e o bullying! - Cláudio Silva - Colunistas - AN Notícias

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Cláudio Silva
Educação
Ex-secretário de Educação em Apucarana e ex-presidente da UNDIME-PR. É proprietário da Escola Nossa Senhora da Alegria e Colunista do AN Notícias e Jornal Apucarana Notícias.
Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, pois o Site e Jornal Apucarana Notícias pode não comungar com as mesmas ideias.
13/02/2011 22h09

O "Morro dos Ventos Uivantes" e o bullying!O que pode ter em comum o famoso romance "O morro dos ventos uivantes" e o desenvolvimento de transtornos da personalidade em uma criança?

                                                           *Por  Cláudio  Silva

O que pode ter em comum o famoso romance “O morro dos ventos uivantes” e o desenvolvimento de transtornos da personalidade em uma criança? O livro, escrito em 1847 por Emily Brontë, é considerado uma das maiores obras do romantismo inglês e um clássico da literatura universal, traduzido no Brasil pela escritora Raquel de Queiroz. Com uma narrativa densa pela riqueza das abordagens, a autora parece mergulhar nos meandros da alma para descrever a gênese da destruição de um ser humano e o desenvolvimento de um caráter monstruoso. Alma, aqui, entendida na descrição do dicionário Aurélio como o “conjunto das faculdades psíquicas, intelectuais e morais dum indivíduo”, e caráter como “os traços psicológicos, as qualidades, o modo de ser, sentir e agir de um indivíduo”. Uma leitura, com olhar atento de educador, chamará a atenção para o que pode ocorrer com as crianças como consequência de experiências vivenciadas as quais comprometem o seu desenvolvimento. Heathcliff, um dos personagens centrais, à primeira vista é uma natureza movida exclusivamente pelo ódio e pelo desejo de vingança, instigando o leitor a também odiá-lo e torcer pela sua destruição. Porém, um olhar atento aos acontecimentos que marcaram a sua vida pode possibilitar outras compreensões, assim como servir para a reflexão de pais e educadores sobre situações a que as crianças estão expostas em casa, na escola e na rua, como preconceitos, comparações, humilhações e violência. Essas questões vêm sendo muito discutidas atualmente no contexto do fenômeno denominado bullying. Cleo Fante, no livro “Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz” (2005), o define como o uso de práticas que vão de “brincadeiras de mau-gosto” a ações violentas, baseadas na força e no poder, causando desde problemas de aprendizagem até sérios transtornos de comportamento humano. Definições explicitadas  no  Psicosite[1] , site especializado  em psicologia, esclarecem  que transtornos de personalidade são aqueles que “afetam todas as áreas de influência da personalidade de um indivíduo, o modo como ele vê o mundo, a maneira como expressa as emoções, o comportamento social. Caracteriza um estilo pessoal de vida mal adaptado, inflexível e prejudicial a si próprio e/ou aos conviventes”. Destaca que o comportamento final de uma pessoa é o resultado de todos os seus traços de personalidade, observando que a personalidade só estará completa, na maioria das vezes, no final da adolescência. O que  reforça a  importância de atenção  especial a essa  etapa fundamental na formação  da  criança, cujas  marcas a  acompanharão  por toda a vida. Neste sentido, é oportuno destacar  algumas  particularidades da vida do  personagem de Brontë. Ele surge  na narrativa como uma  criança faminta e  abandonada, acolhida por  caridade  por  um senhor  que  o  adota.  Já de início é recebido com reservas e hostilidades pela nova família, sobretudo pelo filho mais velho, que o considera o usurpador da afeição e privilégios paternos. Excetuando-se o pai e a irmã adotiva, todos os demais o maltratam. O pai se enfurece ao descobrir que o filho carnal persegue o pobre órfão, o que aumenta sua afeição pela criança e faz crescer ainda mais o clima hostil. Rebate-o com desprezo, julgando-o um réprobo e ao mesmo tempo uma nulidade que nunca haverá de ser coisa alguma. Antecipando o  que realmente acontecerá com o  filho mais  velho, que futuramente, depois  de uma  vida  desencontrada, encontrará seu  final na bebida  e  na  solidão. A mãe adotiva de Heathcliff morrerá dois anos após sua adoção. O garoto, à medida que cresce, é descrito como alguém sombrio, insensível, que não demonstra sinais de gratidão. E, para  agradar  ao pai, a  casa  toda  o  mima  e  adula e se curva aos  seus  caprichos. A criança aprende a usar esse artifício para conseguir seus intentos junto ao pai - um incremento enorme ao desenvolvimento do seu orgulho e mau gênio. Importante também assinalar que o pai não brincava com os filhos, sendo sempre severo e grave para com eles. E quando vem a falecer, abre ao filho mais velho a direção da casa e a possibilidade de dar total vazão à sua revolta. Este se torna um tirano para com todos, expulsa o irmão adotivo do convívio familiar, mandando-o para junto dos criados e a trabalhar no campo. Priva-o dos estudos, além de açoitá-lo pelos motivos mais fúteis.  Heathcliff, a princípio, suporta bem a sua degradação, sofre calado, taciturno e paciente. Ele e a irmã crescem praticamente abandonados pelo novo “pai”, que pouco se lhe dava como procediam as duas crianças e o que faziam, desde que andassem longe dele.  Sofre, também, muito com os preconceitos, como certa vez que é interpelado por uma vizinha com expressões como ‘uma estranha aquisição’, ‘há de ser um perdido’, ‘impossível de estar numa casa decente’. Em vários momentos da narrativa serão perceptíveis as marcas do “desastre psicológico” na formação da sua personalidade. Desenvolve, além do sentimento de revolta, autodesprezo, complexo de inferioridade e senso de incapacidade. A autora, em alguns momentos, tenta destacar a importância do papel da educação com afeto. Mostra que Nelly, a empregada da casa, sensível ao sofrimento do garoto irá tentar ajudá-lo com conselhos buscando elevar sua autoestima. E registra que ele de boa vontade aquiesce aos conselhos, o que realça que atitudes educacionais sinceras e com amor, podem encontrar ressonância positiva no coração dos educandos, mesmo em situações e casos complexos. Mas ele continuará sendo oprimido e humilhado, além de sofrer decepções também no campo afetivo, ao sentir crescer uma afeição especial entre ele a irmã adotiva, fato normal para a idade, mas que irá aumentar seus conflitos interiores ao comparar sua condição com a do vizinho rico que a corteja. Quando certa vez, após ser novamente espancado pelo irmão, a empregada tenta consolá-lo, fica patente em suas poucas palavras que o trabalho de destruição humana está irremediavelmente definido.  Seus pensamentos agora são carregados de um ódio mortal, revolta e desejos de vingança. E na sequência da narrativa, vai aos poucos perdendo tudo o que aprendera com a primeira educação, a curiosidade por aprender e o amor por livros e estudo.  O seu sentimento infantil de autoestima desaparece.  Tentou lutar para se manter nos estudos em igualdade com a irmã e afinal dá-se por vencido, debaixo de um pungente, embora silencioso desgosto, mas o fato é que não lutou mais.  Não se conseguia mais estimulá-lo a dar um passo à frente depois que se convencera de que jamais poderia tornar ao nível antigo.  E a aparência física pusera-se de acordo com a degradação intelectual. Adotou um andar rústico e uma aparência sórdida. Seu gênio, naturalmente reservado, atingiu o cúmulo da insociabilidade quase de idiota.  Dava a impressão de sentir um prazer sombrio em provocar, em vez da estima, a aversão dos seus poucos conhecidos.  A sequência do romance irá mostrar a emergência de uma das mais intrigantes personalidades maléficas talvez já retratadas na literatura, cujo nível de maldade chega a incomodar ao leitor. E evidencia a genialidade de Emily Brontë, ao antecipar problemas educacionais tão presentes na vida moderna.  A par da acentuada dramaticidade dos fatos descritos, é possível aos pais e educadores abstrair vários aspectos que podem ocorrer na convivência do dia-a-dia com crianças, e que inspiram atenção e trabalho dedicado. É importante que pais e educadores sejam conscientes de que toda criança é uma individualidade, ou seja, possui características únicas, não existindo seres humanos iguais. Daí ser grave erro fazer comparações entre filhos e alunos, como normalmente se faz. Na escola, é fundamental considerar que por detrás de cada criança há uma história de vida que produziu e mesmo pode estar produzindo marcas positivas ou negativas em sua personalidade. A qual deverá ser sempre considerada para que o trabalho educativo possa ser efetivo.  E que ela só poderá ser entendida e estimulada nessa perspectiva. Além de que, fundamentalmente, nesta etapa, os ensinamentos mais marcantes serão aqueles registrados através do que ela observa nos exemplos de vida dos adultos que admira, pais e educadores em especial, mas não se excluem os seus ídolos e personagens marcantes da mídia, muito mais do que pelas palavras. Cuidado, novos Heathcliffs podem estar sendo gestados debaixo dos seus olhos, até dentro da sua casa ou de sua sala de aula!


Uma boa  semana e  um  abraço!

*Cláudio Silva é mestre em Educação, Secretário de Desenvolvimento Humano de Apucarana-PR e presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR.                                                     (mais textos do  prof. poderão  ser  acessados em http://profclaudiosilva.blogspot.com)



[1] Acesso em 07.01.11, disponível em http://www.beta.psicosite.com.br/